20100128

Os mais velhos chamam-lhe Lola, os mais novos, Birinaite, alcunha que ficou do inglês que fala desde os tempos da emigração na África anglófona. Vive numa rulóte na beira de uma estrada que um dia será uma avenida, sonho de um presidente da Junta. Hoje só floresta. Durante o dia vagueia pela aldeia, de vinho em vinho, discutindo muito educadamente, como sempre repete; barafustando vai pá China, que não sabe onde é ou como é, mas sabe que é longe e isso é que importa. Foi uma glória do clube de futebol, um guarda-redes de categoria, como se comentava nos cafés, de tal modo que até a equipa da cidade o foi buscar. Hoje, quando caminha junto à escola, indiferente e distante, vulto esguio, passo trôpego, cara ossuda, nariz proeminente apontado ao chão, as crianças riem baixinho até que um mais corajoso grita jocosamente o seu nome Birinaaaaaaaaaaite! e desaparecem a correr. Acabado o dia, regressa e espera pacientemente pela hora em que jovens embriagados lhe vêm apedrejar a rulóte aos berros e às gargalhadas. De nada serve gritar-lhes, por isso fica inerte, deitado à espera que se vão de fartos. Levanta-se depois, resignado, e substitui mecanicamente todos plásticos furados da janelas, que foram outrora vidros, para que não entre o frio ou saia aquele que lhe gela a alma. Sobre a cama, acordado, não pensa em nada. Não sonha quando adormece. Esqueceu tudo. Esqueceu todos. Agora só dormir. Amanhã será o mesmo dia.

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